Facções controlam tráfico e financiam crimes ambientais na Amazônia, diz pesquisador
A atuação de facções que controlam o tráfico de drogas está cada vez mais influenciando o aumento de crimes ambientais na Amazônia, como desmatamento, grilagem, garimpo em terras indígenas e extração ilegal de madeira, segundo o geógrafo Aiala Colares Couto, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Colares Couto até cunhou um termo para explicar essa conexão: narcoecologia.
“Há uma relação do tráfico de drogas com crimes ambientais. O narcotráfico atua como parceiro e financiador, porque percebeu que essas redes ilegais são importantes para ampliar recursos e a lavagem de dinheiro”, explicou Couto, em entrevista à BBC News Brasil no último sábado (11/3).
Ele é um dos autores do estudo Cartografias das Violências na Região Amazônica, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no final do ano passado.
Um dos dados mais preocupantes da pesquisa é o aumento exponencial das mortes violentas na região amazônica. Entre 1980 e 2019, a taxa de homicídios cresceu 260% nos Estados da região Norte, enquanto no Sudeste esse índice caiu 19%.
Segundo Couto, há várias explicações para a violência, como conflitos fundiários, crescimento de mercados ilegais e, mais recentemente, a presença de facções criminosas tanto regionais como oriundas do Sudeste.
Nesse último caso, chama a atenção o crescimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), surgido nos presídios de São Paulo, e do Comando Vermelho, do Rio de Janeiro.
Segundo o pesquisador, atualmente o PCC organiza e investe nas rotas de tráfico pela Amazônia em uma lógica empresarial – o objetivo, diz, é transportar cocaína até mercados lucrativos na Europa. Já o Comando Vermelho controla territórios e a venda de drogas em grandes cidades e regiões metropolitanas.
“A Amazônia é estratégica para o narcotráfico”, diz o professor.
Nascido no quilombo Menino Jesus de Petimandeua, em Inhangapi, no Pará, o geógrafo Aiala Colares Couto também milita no movimento negro e coordena o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Estadual do Pará.
Leia abaixo a entrevista.
BBC News Brasil – O que significa o termo ‘narcoecologia’?
Aiala Colares Couto – Narcoecologia é um conceito que eu criei como resultado de uma pesquisa realizada entre 2020 e 2021. Neste estudo, analisamos as conexões do narcotráfico com os crimes ambientais.
Percebemos que há uma aproximação do tráfico com o mercado de extração ilegal de madeira, com a grilagem de terras e com o garimpo em terras indígenas, sobretudo em Roraima.
Entendi que essa relação dinâmica da economia do tráfico contribui para o avanço dos crimes ambientais, como desmatamento, poluição e redução da biodiversidade .
Mas essa conexão também contribui para o avanço da força política do próprio narcotráfico, que compreendeu que essas redes ilegais são importantes para ampliar seus recursos ilícitos e a lavagem de dinheiro.
BBC News Brasil – Por que a Amazônia é importante para as facções como o PCC?
Colares Couto – A Amazônia é estratégica para o narcotráfico, porque é uma região de passagem da cocaína e, mais recentemente, do skunk (um tipo mais forte de maconha). Essas drogas vêm de outros países que fazem fronteira com o Brasil, como Peru e Bolívia, e atravessam a Amazônia até pontos de saída com destino à Europa.
Grupos que antes atuavam só no Sudeste, como PCC e Comando Vermelho, ganharam força na região Norte a partir de alianças firmadas dentro do sistema prisional.
A transferência de presos de um Estado para outro acabou colocando em contato membros das facções do Sudeste com integrantes de grupos regionais.
Isso levou a uma interiorização das facções para diversas regiões amazônicas, e também a uma associação desses grupos com madeireiros e garimpeiros.
O tráfico é um parceiro e financiador desses mercados. Em alguns pontos, como em Roraima, as facções expulsaram os antigos garimpeiros e se apropriaram dessa atividade.
BBC News Brasil – Você comentou que a Amazônia é uma região de passagem de cocaína que vem de outros países. Por onde essa droga sai do Brasil?
Colares Couto – Hoje, um dos principais pontos de exportação de cocaína é o Porto Vila do Conde, em Barcarena, no Pará. Essa droga vai principalmente para a Europa.
Em várias das apreensões no porto, a cocaína estava embalada junto com madeira contrabandeada. Esses grupos ganham dos dois lados, com droga e madeira.
BBC News Brasil – Mas como o PCC atua nesse transporte?
Colares Couto – Existe uma disputa pelo controle do transporte de drogas.
Uma das principais entradas da cocaína de origem peruana é o vale do Rio Solimões, que hoje é uma área disputada entre vários grupos, pois não é fácil dominar uma região enorme como essa. É uma operação bem complexa.
Antes, esse ponto era controlado pela Família do Norte, que perdeu a disputa para o Comando Vermelho. Atualmente, quem comanda parte dessa rota é um grupo chamado Os Crias, mas o PCC também se faz presente.
O que a gente percebeu é que o PCC trabalha mais com a organização dessas rotas de tráfico, tanto que ele tem membros trabalhando nos países vizinhos.
Ele tem uma atuação transnacional, em uma lógica empresarial e mais articulada, fazendo a cocaína chegar aos mercados mais lucrativos na Europa.
Com o aumento da vigilância contra o tráfico na Europa, a cocaína ficou ainda mais cara. É uma atividade ilícita que gera muito dinheiro.
BBC News Brasil – Além do PCC, há outras facções no Norte do país. Como elas se dividem no controle de atividades criminosas?
Colares Couto – Como eu disse, o PCC atua de maneira mais empresarial, principalmente em Roraima e em áreas do interior.
Mas eu diria que o grupo mais hegemônico na Amazônia é o Comando Vermelho, que controla muitos territórios em uma tática de guerrilha e de guerra urbana. Isso acontece principalmente nas grandes cidades e regiões metropolitanas, como Belém, Altamira e Parauapebas.
Aqui, a facção age como milícia, cobrando mensalidade dos comerciantes, pagando propina, mas também controlando a venda de drogas no varejo.
Em Manaus, onde a Família do Norte era mais forte, o Comando Vermelho também está se tornando hegemônico.
A Família do Norte perdeu muito espaço em Manaus depois de assassinatos e prisões de várias lideranças. Está praticamente extinta.
Mas surgiram outros grupos locais, como o Cartel do Norte, os Revolucionários do Amazonas e Os Crias, que são dissidências da Família do Norte, e que não entram em conflito com o Comando Vermelho.
BBC News Brasil – Como as facções afetam a vida dos indígenas?
Colares Couto – Já houve casos de indígenas que se envolveram com o tráfico, adquiriram dívidas e acabaram assassinados pelo Comando Vermelho.
As drogas e o alcoolismo são problemas graves nas comunidades indígenas e quilombolas.
Há muitas ameaças e pressões psicológicas, todo tipo de violência imposto por um grupo armado que controla um território.
BBC News Brasil – Implantar um sistema de garimpo em regiões remotas, como ocorreu na Terra Indígena Yanomami, não é barato. Custa muito dinheiro levar e instalar as máquinas de extração do ouro. Como as facções participam desse sistema?
Colares Couto – Em 2018, houve uma fuga do sistema prisional de Boa Vista. Os detentos se refugiaram em áreas de garimpo.
Esses pontos ficam em terras federais, onde só a Polícia Federal, o Ibama e o ICMBio podem entrar. As polícias Militar e Civil, comandadas pelos governos estaduais, não podem atuar nessas áreas.
O garimpo virou lugar de refúgio para membros e até lideranças do PCC. Foi então que integrantes da facção começaram a trabalhar com contrabando de ouro, e perceberam que era importante controlar essa atividade.
Mas não apenas.
Também passaram a controlar as casas de prostituição e a venda de drogas.
BBC News Brasil – O número de homicídios nos Estados do Norte cresceu muito nas últimas décadas. O que poderia ser feito para diminuir esse índice?
Colares Couto – A região Amazônica é um foco de disputas por terra, uma questão mal resolvida.
Um decreto da época da ditadura militar federalizou muitas dessas terras. São áreas da União, e Estados e municípios não têm poder sobre elas.
Esses territórios passaram a ser disputados por posseiros e grileiros, estabelecendo conflitos fundiários que se tornaram violentos. É um problema que precisa ser resolvido.
Outro ponto é aumentar o efetivo de segurança pública em áreas controladas por facções.
A cidade de Altamira (PA), por exemplo, historicamente tem problemas ambientais e de conflitos fundiários. E ela cresceu muito nos últimos anos, atraindo facções como o Comando Vermelho.
Outra questão é resolver o problema histórico de demarcação de terras indígenas, e afastar a exploração de garimpeiros e madeireiros.
BBC News Brasil – Parte da periferia de Belém chegou a ser controlada por milícias chefiadas por policiais e ex-agentes de segurança pública. Essa situação continua?
Colares Couto – As milícias estão mais camufladas agora, não aparecem tanto como antes, mas ainda existem.
No bairro do Guamá, por exemplo, temos a presença de sete milícias dividindo o território. É o único bairro na periferia de Belém onde não há pichações do Comando Vermelho proibindo roubos na comunidade.
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