Governador por três vezes, Miguel Arraes raramente pegava voos domésticos nas idas e vindas do Recife para Brasília. Só andava de jatinhos, percurso em torno de 2h30 ou até menos, dependendo do tempo e dos ventos. Dizia que chefe de Estado não podia perder tempo em aeroportos, enfrentando filas e os constantes e incômodos atrasos nas decolagens.
Para cumprir agenda no Interior, rotina permanente de todo chefe de Estado, usava todo tipo de avião e até helicóptero. Diferente de Ariano Suassuna, que corria de avião como o diabo da cruz, Arraes não tinha medo de andar em nenhum tipo de aeronave.
Durante os voos, quando não tirava uma soneca, tomava um bom uísque, com muito gelo, para distrair, jogar conversa fora e com isso tornar as viagens menos cansativas e longas. Embora proibido em voos domésticos, fumar era outro hábito do ex-governador, recorrendo a charutos cubanos e em outras ocasiões ao seu inseparável cachimbo.
Conta um ex-auxiliar de Arraes que, quando ele passou mais de 40 dias na UTI, na guerra não vencida contra a morte, pediu, numa certa ocasião, para a família levar seu cachimbo. Não era para fumar, claro. Apenas para colocar em suas mãos. Ajudava, segundo ele, a controlar a ansiedade. E a família assim atendeu ao seu desejo.
Numa das incontáveis viagens de Arraes a Brasília, em jatinhos da Weston, empresa que o Governo do Estado havia celebrado contrato para uso das suas aeronaves, as turbulências foram tão incessantes, quase sem parar, que, segundo relato de um filho de um ex-secretário que estava a bordo, a sensação era de que o avião ia cair.
Dois secretários de Arraes, segundo ele, rezavam e diziam que estavam vendo a morte, enquanto o ex-governador, na primeira poltrona, não largava o copo de uísque e não exibia nenhum tipo de temor. Houve um momento em que, numa queda brusca de altitude, um dos que estavam a bordo deu um grito anunciando que o avião estava caindo.
Mas nada além de turbulências, provocadas pelo mau tempo, nuvens carregadas e chuvas com relâmpagos. Superado os momentos de tortura a dez mil pés, um dos secretários olhou para Arraes e perguntou se ele não teve medo.
O mito, que já tinha tomado umas quatro doses caprichadas de uísque e espalhado fumaça do seu cachimbo na aeronave, olhou em direção ao auxiliar e fez apenas um comentário que deixou seus colegas a bordo de queixo caído.
“Nunca tive medo de avião, nem mesmo quando estava sendo levado a Fernando de Noronha com ameaças de me jogarem lá de cima como comida de tubarão”.
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