Transparência salarial na mira da Justiça: empresas têm até dia 31 para mostrar dados

Folha do Araripe

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A divulgação do relatório de transparência salarial, que se tornou obrigatória após a Lei de Igualdade Salarial, vem provocando uma disputa judicial entre empresas e o Ministério do Trabalho (MTE).

Enquanto entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Comércio (CNC) entram na briga para tentar levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF), entidades empresariais de Minas Gerais e de São Paulo chegaram a conseguir liminares contra a medida.

Na quarta-feira (27), o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) derrubou a liminar que desobrigava empresas de todo o país a divulgar relatórios de transparência salarial em seus sites e redes sociais. Dessa forma, os empregadores com mais de 100 funcionários têm até domingo (31) para fazer a publicação.

De acordo com o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, a lei trata da disparidade salarial entre gêneros, o que é importante. Mas essa obrigação da publicação do relatório de salários no site e nas redes sociais de cada empresa é um grande problema. Por isso, a federação pretende recorrer da decisão.

“Até enviar os dados ao ministério, que tabularia tudo e devolveria o resultado, estava tudo bem. Mas a divulgação de salários na internet gera não apenas uma situação de desconforto internamente, entre os funcionários, como expõe as pessoas a risco desnecessários, podendo infringir até a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados)”, disse.

Roscoe ainda questiona qual seria o ganho de se colocar todos os salários da empresa na internet, quando há quadrilhas que podem se aproveitar dessas informações.

A subsecretária de estatísticas e estudos do Ministério de Trabalho e Emprego, Paula Montagner, rebate o argumento e diz que não há problemas quanto à LGPD, porque não são divulgados dados pessoais de ninguém nem valores monetários, mas sim porcentagens. “As empresas participaram das discussões e puderam opinar. E não divulgamos dados das companhias que possam afetar sua competitividade”, declara.

A subsecretária diz que foram feitas, inclusive, reuniões com os representantes de empresas que são obrigadas a declarar os dados para se chegar em um modelo de divulgação dos dados. “Tivemos até problemas, porque a maioria das áreas de Recursos Humanos não entendem o conceito de organização ocupacional e nós usamos padrões internacionais de agregação”, explica. Assim, profissionais de nível médio estão numa categoria, de nível superior em outra e profissionais do operacional ou nível técnico em outras.

Roscoe, entretanto, afirma que inicialmente o ministério queria usar os nomes dos funcionários, mas as empresas foram contra e ficou acordado que só seria utilizado o cargo na divulgação. “Mas, dependendo da empresa, não é difícil deduzir quem ocupa determinado cargo e descobrir quanto a pessoa ganha. Isso fere também a lei de concorrência, porque abre informações estratégicas, como a política de remuneração de funcionários”, diz.

Para Paula Montagner, o problema, na verdade, é que muitas empresas declaram ocupação dos funcionários sem prestar atenção na classificação. “Elas falam que mulheres são profissional com classificação júnior e homens sênior. Mas não explicam por que muitas mulheres são juniores com 10 anos de casa”, afirma.

Como é feito?

As empresas são obrigadas a declarar os dados de sua folha de pagamento, identificando cargos e salários dentro do Portal Emprega Brasil. O MTE tabula os dados para saber se há diferenças entre homens e mulheres. Desde 21 de março, as empresas puderam ver os relatórios, entrando com login e senha na plataforma para baixar o relatório.

Não há identificação de salário por pessoa. A regra utilizada é a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e os relatórios trazem médias salariais. Mas a advogada especializada em Direito do Trabalho do escritório Chiode Minicucci, Manuela Leite, diz que o problema é quando se agrupam carreiras comissionadas com as não comissionadas, por exemplo, o que acaba distorcendo os valores. “Não fica claro para as empresas como os dados foram agrupados ou como elas podem corrigir as discrepâncias”, afirma.

E, mesmo assim, as empresas terão de divulgar os dados até dia 31 de março, pois se não fizerem poderão ser autuadas e terem de pagar multas que vão de 3% da folha até o até máximo de 100 salários-mínimos.

“Mas como publicar um relatório sobre o qual eu tenho dúvidas? As empresas não tiveram tempo hábil de entender o relatório antes de tornar público, por isso tantas liminares estão sendo obtidas na Justiça”, disse a advogada.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), de São Paulo, já havia concedido liminar antes do TRF6. Mas a de Minas, obtida em 22 de março, foi considerada emblemática porque tinha sido dada com caráter geral, ou seja, de eficácia para todas as empresas em território nacional. Até por isso, foi a primeira derrubada nesta quarta-feira.

Ao InfoMoney, a Fiemg declarou estar defendendo a sociedade, para evitar que dados pessoais sejam expostos e usados para meios indevidos. “Não entendemos o sentido de publicar dados específicos de renda, tanto de homens quanto de mulheres”, afirma o presidente da entidade.

Roscoe lembra que as declarações para fins de imposto de renda são sigilosas e agora as informações sobre a renda poderão ser divulgadas. “Esse dado será exposto a partir do relatório, já que a empresa tem que fazer a publicação em local de ampla visibilidade”, acrescenta.

Um possível vazamento dos dados do MTE deu ainda mais munição para as empresas questionarem a divulgação dos dados na Internet. Roscoe reafirmou o apoio a iniciativas de igualdade de oportunidade, e rebateu o argumento de que a não divulgação dos relatórios fere o direito das mulheres de uma equiparação salarial. “Defendemos a meritocracia, sim, para ambos os gêneros, e defendemos a igualdade para todos, independentemente de gênero, raça, idade. Estamos confiantes de que vamos obter êxito no final de todas essas demandas judiciais”.

Para a advogada Manuela Leite, o problema foi o pouco tempo de discussão sobre o assunto. “Na Europa, esse processo levou anos e aqui em um ano já estão saindo os relatórios, sem dar direito de defesa às empresas, que irão acionar a Justiça questionando a forma como está sendo feita, causando um imbróglio muito maior”.

Primeiro balanço

Na segunda-feira (25), os ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres apresentaram o 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.

O levantamento concluiu que as mulheres ganham 19,4% a menos que os homens no Brasil. A diferença salarial pode variar ainda mais conforme o grupo ocupacional. Em cargos de dirigentes e gerentes, por exemplo, a diferença de remuneração chega a 25,2%.

Os dados de remuneração, salários, empregados e grupos ocupacionais foram informados pelas empresas ao eSocial em 2022. O documento contém um balanço das informações enviadas por 49.587 estabelecimentos com 100 ou mais empregados, a maioria delas, 73%, com 10 anos ou mais de existência. Juntas, elas somam quase 17,7 milhões de empregados.

As mulheres negras são as que têm renda mais desigual, segundo o levantamento. Enquanto a remuneração média delas é de R$ 3.040,89, a dos homens não-negros é de R$ 5.718,40, 27,9% superior à média. Em comparação com mulheres não-negras, elas ganham 66,7% da remuneração. Segundo documento, apenas 32,6% das empresas têm políticas de incentivo à contratação de mulheres.

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