Governo Lula venderá arroz com rótulo próprio e preço tabelado; produtores falam em intervenção estatal

Folha do Araripe

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governo Lula trava uma queda de braço com produtores, beneficiadores e vendedores de arroz após decidir importar 1 milhão de toneladas do grão para vender diretamente em supermercados e redes de atacado de alimentos do País. A iniciativa foi tomada como resposta às inundações no Rio Grande do Sul, mas empresários e especialistas veem intervenção no mercado pelo governo federal, que passará a ter um rótulo próprio na prateleira com preço tabelado.

A operação é inédita, ou seja, é a primeira vez que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) realiza a operação completa: da importação à distribuição. Tradicionalmente, a estatal faz recomposição de estoques públicos e regulação de preço mínimo de garantia ao produtor a partir de leilões em que vende produtos subsidiados para agentes privados da cadeia da indústria alimentícia.

Dessa vez, além da importação, será a primeira vez que o governo venderá um produto com a sua logomarca na embalagem. O arroz importado deverá ser embalado no país de origem, pelo fornecedor, com o rótulo que diz “Arroz adquirido pelo governo federal” e que leva o logotipo da Conab.

O volume representa cerca de 10% do consumo anual do Brasil – estimado em 10,5 milhões de toneladas – ou pouco mais de dois meses da venda nos supermercados.

O produto será destinado à venda direta para mercados de vizinhança, supermercados, hipermercados, atacarejos e estabelecimentos comerciais com “ampla rede de pontos de venda nas regiões metropolitanas”. Esses estabelecimentos comerciais deverão vender o arroz exclusivamente para o consumidor final ao preço de R$ 8 por pacote de dois quilos.

Rótulo de arroz que será vendido pelo governo federal a preço tabelado
Rótulo de arroz que será vendido pelo governo federal a preço tabelado Foto: Divulgação/Conab

Uma medida provisória editada no último dia 10 limitava a venda a pequenos estabelecimentos e uma portaria divulgada quatro dias depois estabelecia que esses comércios deveriam ter no máximo cinco caixas. Alertado da complexidade de a distribuição estatal chegar a mercadinhos, o governo decidiu ampliar a lista para as grandes redes, que comprarão o arroz por meio de leilões de venda organizados pela Conab.

A venda direta terá como foco o comércio em São PauloMinas GeraisRio de JaneiroPernambucoCearáPará e Bahia. O governo alegou que as regiões foram escolhidas com base nos indicadores de insegurança nutricional e alimentar, mas estes são também os maiores mercados consumidores do País.

O governo argumenta que empresários ao longo da cadeia produtiva se aproveitaram do momento de crise no Rio Grande do Sul para subir o preço do grão, o que foi acelerado por uma onda de fake news nas redes sociais dando conta de uma escassez do produto – o Estado gaúcho é o maior produtor de arroz do País, responsável por 70% do abastecimento nacional.

“É legítima a preocupação dos produtores de arroz (com a importação) que não querem achatamento dos preços que a importação pode causar, mas também é legítima a posição do governo de evitar especulação, subir de 25% a 40% preço do arroz em poucos dias é desrespeito à população brasileira”, disse o ministro da AgriculturaCarlos Fávaro, em audiência na Câmara dos Deputados na semana passada.

“Bastou o governo editar a compra de arroz e os preços subiram de 8% a 40% em alguns casos. Isso é aproveitar a calamidade e o governo vai coibir isso com muito rigor”, acrescentou.

Receita ‘estranha’

Sócio da MB Agro, José Carlos Hausknecht afirma que a operação, além de colocar o governo numa seara nova de distribuição de arroz, está sendo feita no auge da colheita.

Quase toda a safra gaúcha foi colhida (85%) e o problema é de logística, não de falta de produto, alega ele. Além de correr o risco de não dar certo pelo ineditismo e falta de expertise do governo em operar a venda direta ao consumidor final, a estratégia pode desestimular o plantio da nova safra de arroz.

“É uma política estranha, não foi feita para regular o estoque, mas para abastecer o mercado”, diz Hausknecht. “Se faltar arroz no Brasil, a indústria vai buscar, não vejo necessidade de o governo entrar nisso”.

Ele afirma que foi acertada a decisão de baixar as tarifas de importação de países para além do Mercosul, o que pode favorecer a entrada do produto asiático, por exemplo. Mas diz que levará meses até que esse arroz chegue efetivamente ao consumidor. Até lá, ele prevê que o mercado se ajuste entre oferta e demanda.

“É um intervencionismo. Entendo que o governo esteja preocupado com a inflação, mas não é justificável. Vai colocar produto novo agora, no auge da safra, enquanto há outros Estados capazes de abastecer o mercado. É uma política que outros países latinos como a Argentina já tentaram e que nunca deu certo”.

Para o diretor da Wedekin Consultores e ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura de 2003 a 2006, Ivan Wedekin, o governo não possui capacidade operacional, como o setor privado, de realizar a operação completa.

“O governo não vai conseguir acessar facilmente essa compra de 1 milhão de toneladas ou seja de 100 mil toneladas, porque esse arroz não está na prateleira do mercado. Além disso, a política de venda direta foi abandonada há muito tempo, com os agentes privados operando o leilão”, analisou o ex-secretário. “O governo vai transplantar ineficiência”.

Wedekin considera também que haverá impacto inflacionário da medida no preço do arroz, porque sinaliza ao mercado que um novo player irá adquirir volume expressivo. “O governo está interferindo de forma truculenta no funcionamento do mercado, que está equilibrado do ponto de vista estrutural. Isso vai afetar o mercado, o preço internacional até o produto chegar aqui”, avaliou Wedekin.

“Como o governo não tem capacidade de realizar a compra e a distribuição eficientes, isso vai aumentar a especulação e não terá resultado concreto no balanço de oferta e demanda”, acrescentou.

Segundo o consultor, o Brasil possui arroz suficiente para atender ao consumo nacional, mesmo que as perdas das lavouras gaúchas ainda não tenham sido quantificadas. “A melhor política do governo neste momento seria deixar o mercado funcionar.”

O que dizem os setores

Na última semana, produtores se reuniram com representantes dos ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Conab para discutir a política e tentar demover o governo da ideia.

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