LULA SONHA COM A CHINA

Folha do Araripe

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Não foram dimensionadas, ainda, as consequências da atual crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos. Muito se cogita sobre o impacto econômico de uma deterioração da relação política entre as duas maiores democracias do ocidente e uma pergunta aflora como inevitável: como fica a situação militar entre os dois aliados históricos?

São profundos os laços entre as Forças Armadas dos dois países, que remontam ao período da Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil enviou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater na Europa junto aos Aliados, o que moldou grande parte da doutrina bélica brasileira.

Durante a Guerra Fria, as relações se intensificaram ainda mais por meio de acordos como o Mutual Security Act de 1951, que facilitou transferências de armas e assistência militar, alinhando o Brasil à esfera de influência ocidental contra o comunismo. 

 

Com o esfacelamento da URSS a cooperação doutrinária com os EUA se aprofundou, com ênfase em interoperabilidade, exercícios conjuntos e intercâmbios educacionais. Nos últimos anos, o Brasil realizou 74 exercícios militares conjuntos com os EUA desde 2018, superando em muito parcerias com outros países. As bases norte-americanas são o principal destino para cursos de militares brasileiros no exterior.

 

No contexto da OTAN, o Brasil foi designado como Major Non-NATO Ally (MNNA) em 2019, status aprofundado em 2022, abrindo portas para maior cooperação em tecnologia de defesa, exercícios conjuntos e acesso a recursos da aliança liderada pelos EUA, sem obrigações formais de defesa mútua.

 

O Brasil, único grande produtor e exportador de material bélico na América Latina, beneficia-se profundamente de transferências de tecnologia dos EUA e OTAN. Sua indústria de defesa possui conexões estratégicas no U.S.-Brazil Defense Industry Dialogue (DID), criado para integrar o setor privado dos dois países, em parcerias voltadas à produção conjunta de equipamentos e exportações.

 

Até este ano (2025), o governo brasileiro mantinha oficiais generais como adidos militares exclusivamente nos EUA, refletindo a prioridade estratégica da parceria: três generais (um de cada Força Armada) atuam como adidos em Washington. Nos demais países, incluindo os membros da OTAN, essa posição é desempenhada por coronéis do EB e da FAB e Capitães de Mar e Guerra da MB. 

Essa dinâmica mudou com o Decreto nº 12.480, de 2 de junho de 2025 (publicado em 3 de junho), que fixa a lotação de adidos militares em 43 países, totalizando 86 oficiais. Pela primeira vez o Brasil designa oficiais generais para a China: um general do Exército como Adido de Defesa e do Exército, um contra-almirante (oficial general da Marinha) como Adido Naval e um coronel Adido da Força Aérea, todos também acreditados na Tailândia.

 

A mudança, implementada pelo governo Lula, sinaliza uma busca por maior aproximação com a China, principal parceiro comercial do Brasil, estendendo laços para além da expressão econômica. O decreto revogou normativas anteriores, sugerindo uma atualização que enquadre a diplomacia militar na política externa do atual governo. 

 

Para analistas militares, o ato de elevar por decreto a China ao mesmo patamar hierárquico dos EUA (onde permanecem os três adidos generais), soou como devaneio ideológico petista, desconectado da realidade. 

 

Não contamos com sistemas de armas ou equipamentos chineses em nossas Forças Armadas, em contrapartida, nossos meios aéreos, navais e terrestres estão fortemente vinculados aos EUA e seus aliados membros da OTAN, incluindo França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Suécia e Espanha, envolvendo transferências de tecnologia, compras diretas ou parcerias industriais.

 

 MEIOS AÉREOS – Os meios aéreos brasileiros abrangem aeronaves de caça, transporte, patrulha, helicópteros e sistemas associados.

Operacionais:

F-5EM Tiger II (Caça): Origem EUA (Northrop). Ainda em serviço ativo na Força Aérea Brasileira (FAB) para treinamento e interceptação.

F-39 Gripen (Caça multiuso): Origem Suécia (Saab), com produção parcial no Brasil. Integra sistemas compatíveis com OTAN.

AMX A-1 (Ataque): Origem Itália (desenvolvido com Embraer). Em operação para missões de apoio aéreo próximo.

P-3 Orion (Patrulha Marítima): Origem EUA (Lockheed). Usado pela FAB para vigilância oceânica.

C-295 (Transporte): Origem Espanha (Airbus Defense). Em serviço para transporte tático.

Airbus A319 e A330 MRTT (Transporte e Reabastecimento): Origem França/Alemanha (Airbus). A330 usado como tanker; A319 para VIP.

EMB 145 AEW&C e RS (Guerra Eletrônica): Origem Brasil/EUA (Embraer com tecnologia norte-americana). Sistemas de alerta antecipado.

A-4 Skyhawk (Ataque Naval): Origem EUA (Douglas).

UH-60 Black Hawk (Helicóptero Utilitário): Origem EUA (Sikorsky). Usado pela FAB e Exército (HM-2).

EC725/H225M Super Cougar/Caracal (Helicóptero Pesado): Origem França (Airbus Helicopters). Unidades na Marinha e Exército (HM-4).

AS332 Super Puma/AS532 Cougar (Helicóptero): Origem França. Usado pela FAB e Exército (HM-3).

EC135/H135 (Helicóptero Leve): Origem Alemanha/França (Airbus). Unidades na Marinha.

AS350/355 Écureuil/H125 (Helicóptero Leve): Origem França. AS350 na Marinha e H125 em produção sob licença.

Westland Lynx (Helicóptero Naval): Origem Reino Unido. Unidades Lynx-21A.

S-70 Seahawk (Helicóptero Naval): Origem EUA (Sikorsky).

Bell 206 (Helicóptero Treinador): Origem EUA. Unidades na Marinha.

AS565 Panther (Helicóptero): Origem França. Usado no Exército (HM-1).

AS350 Esquilo (Helicóptero): Origem França. Usado no Exército (HA-1).

GM200 MM/A (Radar): Origem França (Thales). Unidades adquiridas para defesa aérea.

Em Desenvolvimento:

F-39 Gripen (Expansão): Continuação da montagem local com Saab (Suécia); potencial para mais unidades.

C-390 Millennium IVR (Vigilância): Variante ISR desenvolvida pela Embraer com influências NATO para surveillance.

14-X (Demonstrador Hipersônico): Desenvolvimento pela FAB com influências tecnológicas ocidentais.

Link-BR2 (Datalink): Sistema de comunicação com influências NATO.

H125 (Helicóptero Treinador): Unidades em produção sob licença francesa.

DRONES: Meios Aéreos Não Tripulados – Os projetos de drones brasileiros, tanto operacionais quanto em desenvolvimento, frequentemente envolvem parcerias com os EUA e aliados da OTAN, incluindo transferências de tecnologia, joint ventures e integrações com sistemas ocidentais para garantir interoperabilidade em missões de vigilância, inteligência e combate.

Operacionais:

Hermes 450 e Hermes 900 (VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado): Origem Israel (Elbit Systems), aliado próximo dos EUA. A FAB opera 4 Hermes 450 e planeja adquirir Hermes 900 para patrulha de fronteiras e vigilância na Amazônia, integrados com sistemas de comunicação compatíveis com OTAN. Esses drones utilizam sensores e softwares derivados de tecnologias americanas, como GPS e datalinks para operações conjuntas.

RQ-11 Raven: Origem EUA (AeroVironment). Usado pelo Exército para reconhecimento tático em unidades de infantaria, com treinamento fornecido pelos EUA em exercícios bilaterais.

ScanEagle: Origem EUA (Boeing/Insitu). Empregado pela Marinha para patrulha marítima, com capacidade de lançamento de navios e integração com sistemas navais da OTAN.

Em Desenvolvimento:

Projeto Harpia: Parceria entre Embraer (Brasil) e Elbit Systems (Israel), com influências de tecnologia dos EUA para um drone de média altitude e longa endurance (MALE), focado em ISR (Inteligência, Vigilância e Reconhecimento). Inclui transferências de tecnologia para produção local, com potencial integração em redes OTAN.

Drones para o Sistema de Vigilância de Fronteiras (SISFRON): Desenvolvimento conjunto com empresas como a Boeing (EUA) para drones táticos, incorporando sensores e AI compatíveis com padrões americanos, visando monitoramento de fronteiras terrestres.

FT-200: Variante avançada do FT-100 Horus, com colaborações internacionais incluindo componentes de aliados OTAN para guerra eletrônica, em fase de testes para operações especiais.

MEIOS NAVAIS – Os meios navais incluem navios de superfície, submarinos e sistemas associados, com tecnologia de aliados como França, Alemanha, Reino Unido e EUA.

Operacionais:

Greenhalgh-class (Fragatas): Origem EUA (ex-Oliver Hazard Perry). 

Amazonas-class (Corvetas): Origem Reino Unido (BAE Systems).

PHM Atlântico (Porta-Helicópteros): Origem Reino Unido (ex-HMS Ocean).

Tupi/Tikuna-class (Submarinos): Origem Alemanha (Type 209), com upgrades Lockheed Martin (EUA).

Scorpène-class (Submarinos): Origem França.

Niterói-class (Fragatas): Origem Reino Unido. Unidades modernizadas.

Em Desenvolvimento:

Fragatas (PROSUPER): 5 unidades planejadas com parceiros NATO (França/Reino Unido).

Offshore Patrol Vessels (PROSUPER): 5 unidades com parceiros NATO.

Navio de Apoio Logístico (PROSUPER): 1 unidade com parceiros NATO.

Porta-Aviões: 1 unidade planejada com França (DCNS) ou EUA (General Atomics).

Submarino Nuclear: transferência parcial de tecnologia francesa.

MEIOS TERRESTRES – Os meios terrestres do Exército Brasileiro incluem tanques, veículos blindados, artilharia e mísseis, com fortes laços com Alemanha, EUA, Itália, França e Reino Unido.

Operacionais:

Leopard 1A5/A1 (Tanques): Origem Alemanha. A5 + A1.

M60 A3 TTS (Tanques): Origem EUA.

M-113 (Veículos Blindados de Transporte): Origem EUA, incluindo M577A2.

VBTP-MR Guarani (Veículos Blindados): Origem Itália (Iveco).

EE-9 Cascavel (Reconhecimento Blindado): Origem França (tech Engesa).

EE-11 Urutu (APC): Origem Itália (licença Engesa).

Guaicurus (Veículos Leves): Origem Itália (Iveco LMV).

Centauro II BR 8×8 (Destruidor de Tanques): Origem Itália. Em testes operacionais finais; primeira unidade recebida em 2024.

M109 (Artilharia Autopropulsada): Origem EUA (155mm).

M101/M102/M114 (Artilharia Rebocada): Origem EUA. (155mm).

Oto Melara M56 (Artilharia): Origem Itália. (105mm).

L118 Light Gun (Artilharia): Origem Reino Unido.

Gepard (Antiaérea Blindada): Origem Alemanha.

RBS 70/NG (Mísseis Antiaéreos MANPADS): Origem Suécia.

ASTROS II (Lançadores de Foguetes): Com tecnologia EUA/NATO (munições cluster).

Em Desenvolvimento:

ASTROS II (Mísseis de Cruzeiro): Expansão com mísseis em desenvolvimento, influenciados por tech NATO.

Centauro II BR: Integração completa pós-testes em 2025

Além de plataformas convencionais, os sistemas brasileiros de guerra eletrônica, inteligência operacional e guerra cibernética dependem extensivamente de tecnologias compartilhadas com os EUA e aliados da OTAN, incluindo softwares, licenças e infraestrutura espacial e cibernética. 

O Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), por exemplo, integra radares e tecnologias de satélite derivadas de cooperações com os EUA para coleta de inteligência em tempo real, dependendo de licenças de software americanas e do GPS para posicionamento preciso, o que expõe riscos geopolíticos se o acesso for restringido.

Nos domínios cibernéticos, o Centro de Defesa Cibernética (CDCiber) colabora com o US Cyber Command e participa de exercícios como o Locked Shields da OTAN, utilizando protocolos e ferramentas compatíveis com a aliança para contrapor ameaças, mas requerendo acesso contínuo a redes de inteligência cibernética aliadas para atualizações e treinamentos.

Sistemas de guerra eletrônica, como os integrados aos caças F-39 Gripen e ao radar Saber M200, incorporam componentes licenciados de aliados da OTAN, como a Saab (Suécia), garantindo interoperabilidade mas criando dependências em atualizações de software e padrões de comunicação. 

Além disso, satélites como o SGDC, construídos pela Thales Alenia Space (França-Itália, membros da OTAN), fornecem comunicações seguras militares, mas sua operação depende de suporte europeu para gerenciamento orbital e cibersegurança, destacando a posição embutida do Brasil em ecossistemas tecnológicos ocidentais.

O CASO TURCO

Vale a pena recorrermos a um interessante caso envolvendo a Turquia, neste momento de tensões entre Brasil e EUA: A Turquia, como membro da OTAN desde 1952, enfrentou uma crise significativa em suas relações com os EUA ao optar pela aquisição do sistema de defesa antiaérea russo S-400 em 2017, com entregas iniciadas em 2019. 

 

Buscando maior autonomia estratégica, o presidente Erdogan via o S-400 como uma forma de diversificar fornecedores e fortalecer laços com a Rússia, em meio a tensões regionais (como na Síria). No entanto, o S-400 representava um risco à segurança da OTAN, pois poderia coletar dados sobre aeronaves stealth como o F-35, comprometendo a interoperabilidade e a confidencialidade tecnológica da aliança.

Como consequência direta, em julho de 2019, os EUA removeram a Turquia do programa F-35 Joint Strike Fighter, do qual Ancara era parceira industrial e planejava adquirir mais de 100 unidades, tendo já investido cerca de US$ 1,4 bilhão e produzido componentes como fuselagens. Isso resultou em perdas financeiras, atrasos na modernização da Força Aérea Turca e isolamento parcial dentro da OTAN, com sanções adicionais sob a lei CAATSA (Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act) em 2020, afetando a indústria de defesa turca. 

 

Erdogan expressou arrependimento público em entrevistas, admitindo que, se soubesse das repercussões, não teria prosseguido com a compra, e em 2021 chegou a propor uma “solução criativa” para mitigar o problema, como armazenar os S-400 sem ativá-los. Em 2025, há negociações em curso para um possível retorno ao programa F-35, condicionadas à disposição da Turquia em “sidelinar”, ou exportar os S-400.

É óbvio que a aproximação militar brasileira com a China aumenta riscos de espionagem ou roubo de tecnologia, conforme relatórios do Departamento de Defesa dos EUA sobre avanços militares chineses. Sanções amparadas na CAATSA seriam catastróficas para o Brasil. 

 

É legítimo que países tentem adotar estratégias de “não-alinhamento ativo” ou hedging, buscando equilibrar potências rivais para maximizar autonomia, no entanto, usar a China para diluir a influência dos EUA na América Latina, evocando a multipolaridade proposta pelo BRICS, demanda uma estatura geopolítica que o Brasil não possui.

 

Como “nada é tão ruim que não possa piorar” Lula se aproxima de Putin e retoma a saudosa retórica marxista do oprimido “sul global” em um delicado período para a Europa. O secretário-geral da OTAN alerta que países como Brasil e China podem sofrer sanções secundárias caso mantenham as compras de petróleo e derivados da Rússia, financiando seu esforço de guerra na invasão da Ucrânia. 

 

Em um momento de falência dos organismos multilaterais e redesenho das relações comerciais imposto por Trump, Lula assume uma posição ostensivamente antagônica aos EUA, evoca a “soberania nacional” e aposta no caos e vitimização como arma política no âmbito interno. 

É possível que a mofada retórica anti-americana lhe conceda um pequeno avanço nas pesquisas de apoio ao governo, mas os danos em setores estratégicos serão graves e perceptíveis em breve, redundando no inevitável “voo de galinha”, que rapidamente retorna ao solo da realidade.

Se Bolsonaro foi apelidado “Trump dos trópicos” é lícito atribuir a Lula a alcunha de “Biden tupiniquim”. A política externa do senil ex presidente americano foi catastrófica para os EUA e para o mundo. Guardadas as proporções, a atual política externa petista afasta o país do ocidente e se mostra danosa, tanto para o Brasil, como para seu entorno geográfico.

Fonte:

Gerson Gomes é um veterano coronel do Exército Brasileiro que aderiu ao jornalismo independente.

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