Às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais, um novo decreto do governo Jair Bolsonaro voltou a contingenciar recursos da educação brasileira. O bloqueio ocasionado pelo decreto 11.216/2022, publicado em 30 de setembro, afeta sobretudo as instituições de ensino superior federais que, juntas, perdem R$ 328 milhões – ao longo do ano, o acumulado é de R$ 763 milhões retirados dos cofres das universidades.
Depois da péssima repercussão da medida, o governo federal reverteu o bloqueio que atingiria universidades e institutos federais. A informação foi divulgada na tarde desta sexta-feira, 7, pelo ministro da Educação, Victor Godoy, em suas redes sociais.
Universidades na mira
Desde 2013, segundo levantamento do projeto SoU Ciência, já significam mais de 50% de perdas acumuladas em recursos de custeio e 96% nos de investimento nas universidades. Nesse contexto, e com outros cortes em recursos ainda em 2022, enquanto o “Orçamento Secreto” para angariar apoio político a Bolsonaro no Congresso segue crescendo, a mais nova redução de recursos pode levar à demissão de terceirizados e perda de assistência estudantil.
“Pode-se discutir se é contingenciamento, corte, incisão profunda, se é amputação ou o que for. Na prática, o que acontece é: as universidades tiveram seu dinheiro retirado”, resume Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em vídeo da entidade.
O decreto impede que as universidades realizem novos empenhos, isto é, impossibilita que sejam executados pagamentos para compras ou contratações que já não estivessem previstos. “Recebemos um documento falando que existe a perspectiva do retorno desses valores em dezembro. Perspectiva não é certeza”, diz Fonseca. O reitor ressalta outra preocupação: mesmo que os recursos cheguem até lá, as instituições só podem executar os valores até o dia 9 de dezembro, ficando potencialmente sem prazo para gastar.
Corte e efeito cascata
No Rio Grande do Sul, especialmente no interior, há um temor de “efeito cascata”, com a suspensão de benefícios e contratações afetando as economias locais. A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a maior do estado fora da capital, informa que o corte significa R$ 5,8 milhões a menos, além de outras perdas durante o ano. A universidade já havia anunciado a redução de 115 funcionários terceirizados para o segundo semestre e paralisação de reformas e manutenção de prédios e salas, e agora afirma que também suspenderá o pagamento de bolsas estudantis de dezembro (pagas em janeiro), que as contas de energia só serão quitadas em 2023, além da suspensão de eventos internos e serviços de jardinagem no campus.
A Universidade Federal de Rio Grande (Furg) e a de Pelotas (UFPel) perderão na ordem de R$ 2,6 milhões cada. “Se o bloqueio da movimentação de empenho não for revertido, o que vai acontecer é que a gente não vai mais poder fazer nenhum tipo de compra ou contratação. O orçamento vai ficar parado no sistema, mesmo que disponível, mas sem poder ser utilizado”, disse o pró-reitor de Planejamento e Administração da FURG, Diego Rosa, ao site da instituição. Ainda assim, a universidade atesta que ainda garante o pagamento da assistência estudantil e das contas de água e luz até o final de 2022. A UFPel, em nota, diz que o bloqueio “reitera uma prática nefasta ao adequado planejamento e à eficiente gestão pública”, mantendo um estado de “permanente dúvida” sobre o orçamento.
Ufrgs na contramão
Em direção oposta ao tom adotado por outras instituições gaúchas e ao redor do país, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) limitou-se a lançar uma “nota de esclarecimento” de modo a “tranquilizar” a comunidade acadêmica. A Ufrgs garante ter os valores para salários, bolsas, assistência estudantil, contas de energia, água e telefonia, e contratos de terceirizados. A nota é assinada pelo reitor Carlos André Bulhões Mendes, que assumiu o cargo em 2020 sob fortes protestos, tendo sido nomeado por Bolsonaro após ficar em 3º lugar na lista tríplice, contrariando a tradição de escolhas do nome mais votado na consulta interna. Bulhões ainda afirma que “foi sinalizado que, antes do final do ano, os recursos poderão ser liberados”.
A eventual liberação é abordada com ressalvas na manifestação de Ricardo Marcelo Fonseca, da Andifes. “Ainda que esses valores voltem em dezembro, imagine o seguinte: que você, entre setembro e outubro, de repente recebe a notícia que você não vai receber mais um centavo de salário. Ou que sua empresa não vai receber recursos”, exemplifica o reitor da UFPR. “A questão é: como fazem as universidades até novembro?”
Faça um comentário